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Relato de experiência

Esse Relato de Experiência propõe uma reflexão sobre as características principais da implantação e desenvolvimento do curso de Pós-graduação (Lato-sensu) de “Gerência e Tecnologia da Qualidade” no CEFET- MG, apresentando resultados obtidos no exercício da prática acadêmica, em consonância com as exigências da competitividade do mercado empresarial, atendendo a uma demanda definida de pequenas e médias empresas.

1 INTRODUÇÃO

As necessidades sociais, embora difusas inicialrnente, são percebidas rapidamente pela Educação que busca viabilizar qualificações adequadas para atendê-las. Esse é o sofisma que impera nos ensinos público e privado, há décadas, sem o estabelecimento de controles adequada¬mente profissionais que possam reverter o quadro. Enquanto isso, via de regra, iniciativas isoladas, sem a devida apreensão do sistema ortodoxo, Lutam na tentativa de atualização e modernização do conhecimento. São os casos de cursos criados e mantidos por diversas instituições governamentais ou não, com objetivos de capacitarem tecnológica e gerencialmente as empresas que demandam tais serviços.

Obtêm-se alguns poucos resultados positivos, onde poderiam ser obtidos muitos mais. Esse movimento brow¬niano, ora para frente e ora para trás, responsabilidade do (des)controle social do Estado, atesta a ausência de uma política científico-tecnológica voltada para a estrutura em¬presarial nacional, jogando a própria sociedade ao sabor da sorte (não temos vulcões, nem terremotos, furacões, mas…), num ritmo satisfatório (de mandato em mandato) que a cegueira e o paternalismo oficiais impõem, recrudescendo as deformações internas face à globalização.

Tais assertivas encontram respaldo em qualquer área do saber de nossas escolas: da Música à Física, passando pela Filosofia, Artes, Engenharias, Medicina, etc., que ficam cada vez mais na periferia do “establisbment” científico-cultural mundial. Contudo, é na Economia, em suas
estruturas econômico-produtivas, conforme Campos (1994), que os impactos são maiores, pois temos reflexos negativos no desmantelamento gerencial industrial e agropecuário com produtos do exterior mais baratos e de melhor qualidade, desemprego gerando insegurança social, saúde arruinada pela corrupção, e educação no jogo do faz-de-conta: “EU finjo que te ensinei, você finge que aprendeu” com disciplinas e conteúdos com 15, 20, 30 anos sem atualização.

Os reflexos são imediatos na Pesquisa & Desenvolvimento (P&D): de acordo com dados da UNESCO (1997), no Brasil as universidades produzem 90% das pes¬quisas nacionais enquanto as empresas ficam com o resto. Ao contrário, nos EUA, 79% dos 960 mil engenheiros e cientistas ativos trabalham para empresas, e em outros países como Japão, Canadá e Europa, esse percentual fica entre 50% e 70%. No Brasil, temos 77 mil cientistas e engenheiros envolvidos em P&D, dos quais, apenas cerca de 10% trabalham em empresas privadas e públicas. A quebra do ritmo no crescimento e ausência de planejamento criterioso, devido ao egocentrismo político (quem fez foi eu), arrasta a interação universidade-empresa para fora dos muros da educação, deixando a empresa esperando algo que não terá de urna escola tentando ensinar~

Neste estilo administra-se planos vitais para a saúde gerencial do país: planejamento vaga-lume (acende-apaga)
do governo com relação ao Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP), lançado em novembro de 1990 e que amargou um ostracismo oficial de cerca de 8 (Oito) anos, até ser relançado em maio de 1998. Nesse iate¬rim, centenas e centenas de empresas assimilaram os con¬ceitos de valorização da Gestão em Qualidade e Produtividade, conseguindo resultados excepcionais, apesar de muito verbo e pouca verba das lides governamentais. Como já foi visto, obtiveram-se alguns resultados positivos, mas poderiam ser maiores e menos efêmeros.
O PBQP foi projetado com a finalidade de estimular a adoção de técnicas de administração empresarial que permitissem aumentar a produtividade das empresas brasileiras, tornando seus preços mais competitivos e melhorando a qualidade de seus produtos. Em tempos de globalização, era a resposta da nação ao enigma da esfinge, que persiste até os dias atuais com metas, agora mais criteriosas (relançamento do PBQP), mas nem por isso menos ousadas:
a)    até 2002, reduzir em 65% o número de crianças de 7 a 14 anos fora da escola, com avaliação ex-terna das escolas;
b)    até 2003, alcançar qualidade total no processamento e controle do sangue destinado a transfusões;
c)    montar sistema de informações sobre qualidade de produtos e serviços que alcance 10 milhões de brasileiros até 2003;
d)    reduzir em 25% a taxa de acidentes fatais de trabalho até 2003;
e)    até 2000, engendrar 90% dos produtos básicos de construção relegados nas normas de qua].i¬dade e segurança estabelecida pelo setor;
O    até 2001, reduzir em 50% o índice de insatisfação dos turistas com a limpeza urbana;
g)    elevar em 70% até 2002 o grau de satisfação da população com serviços públicos;
h)    até 2002, aumentar de 5 para 20% a participação do cinema brasileiro na bilheteria;
i)    aumentar a produtividade de pequenas empre¬sas em 20% ao ano até 2003;
j)    até 2002, aumentar de US$ 18,8 bilhões para US$ 45 bilhões a comercialização de produtos agrí-colas, gerando 10 milhões a mais de empregos;
k)    aumentar a produtividade da indústria em 6% ao ano até 2003;
1)    mudar o perfil da ponte de exportações visando a atingir US$ 100 bilhões em 2002;
m)    aumentar o volume de atividades da ciência e tecnologia, o grau de utilização da tecnologia da informação, a capacidade de pesquisa e de¬senvolvimento tecnológico no Brasil.
Observa-se que dos itens a ah, a metodologia pro¬posta é semelhante à do “Brasil em Ação” do governo federal, buscando atingir, em cada atividade, patamares equiparados às “melhores práticas internacionais”. Falta até criatividade!

2 QUALIDADE E EDUCAÇÃO

Nesse contexto, de iniciativas isoladas buscando atender a uma demanda de mercado crescente em conhe¬cimentos na área do TQC (Controle da Qualidade To¬tal), surge em 1992 o curso de pós-graduação em “Gerência e Tecnologia da Qualidade”, sob a orientação de professores com experiência empresarial, já convidados, anteriormente, a desenvolver disciplinas correlatas em outro curso (Educação Tecnológica) de capacitação docente, na pós-graduação do CEFET – MG.
O planejamento inicial do curso, de acordo com CAMILO (1992), em termos de disciplinas, professores, metodologia e recursos, esbarra na antítese “Qualidade e Educação”, principalmente a pública federal, já que no desenvolvimento de um curso da “Qualidade”, os próprios participantes atestavam as precárias condições de infra-estrutura (laboratórios, material didatico, instalações, etc.). Esse “non-sense” perdurou ainda por muito tempo, como um fardo que só diminuía de peso, mas nunca b suficiente para ele ter a satisfação da maioria.
Buscou-se, inclusive, a reserva de vagas para profis¬sionais da administração interna, que vêm participando dos cursos, mas não deixam (também) de ser tentativas isoladas, sem uma visão e aplicação sistêmica, redundando mais em capacitação pessoal e pouco institucional.
Um programa de qualidade institucional converge para o aperfeiçoamento de aspecto interno da organização – processos, ações e estruturas que, ao serem implementados. refletirão diretamente na melhoria dos serviços (educacionais, no caso CEFET-MG) e na eficácia de métodos e técnicas com que esses são trabalhados e obtidos. Dessa forma, analisa-se e discute-se questões técnicas referentes a: custos de serviços (e ampliação a outras par¬celas da comunidade), melhoria dos processos, obtenção de maior produtividade com uma qualidade crescente, maior rapidez nos serviços (tecno-administrativos), me¬nos desperdícios, menos não-conformidade (reprovações) no final do processo, utilização otimizada de máquinas e tecnologia, melhoria do ambiente funcional, comprometimento crescente de funcionários, evolução da capacitação pessoal (modernização), dentre outros, conforme DELARETTI (1996) e KUME (1993). Com tais questões éque se torna claro o paradoxo de ensinar “Qualidade” numa estrutura que não a conhece.
Certamente, o planejamento inicial do curso “Gerência e Tecnologia da Qualidade”, ergueu-se, e mantém-se, no tripé: Organização, Tecnologia e Pessoas, já que era importante saber quais as características mais propícias para que os serviços/produtos de uma instituição fossem amplamente aceitos no mercado.
O fator fundamental do encadeamento das três áreas citadas é a obrigatoriedade dos participantes, ao final do curso, de já terem esboçado a identificação de um problema em suas instituições (setores) de origem, buscando a solução pelo emprego do Método e Técnicas vistas ao longo das disciplinas. Esse compromisso, enfatizado logo no início do curso, mobiliza os participantes em equipes afins, permitindo maior integração entre as pessoas das equipes, consultas sistemáticas aos professores para elucidação de dúvidas e orientações, aplicação prática dos conhecimentos e, principalmente, apresentação de resultados positivos por parte do aluno (monografia em “Case”) e para a instituição de origem (so¬lução de um problema) .Assim, o conteúdo básico temático do curso é:
a) Dimensão Humana
–    Pessoas e Motivação para a Qualidade
–    Educação para Qualidade – Equipes
–    Educação para Qualidade – Aprendizagem;
b) Dimensão Organizacional
–    Gestão para Qualidade e Produtividade
–    Gestão Operacional dos Processos
–    Gerenciamento do Negócio pelas Diretrizes
–    Desenvolvimento do Processo de Consultoria;
c) Dimensão Tecnológica
–    Processo de Solução de Problemas
• Estatística para a Qualidade
–    Análise Estatística de Processos
– Sistemas de Informações da Qualidade (150 9000).
Esse conteúdo, com uma carga horína bem distri¬buída em torno de 375 iVa, é dirigido e composto para atender a necessidades especfficas, ou seja, se a clientela participante é em sua maioria da área industrial, a ênfase do curso será em processos industriais; se, por outro lado, é da área de serviços, a ênfase será para serviços, com exercícios e práticas bem direcionadas às atividades afins (hospitalar,bancária, automotiva, construção civil,etc).

3 – RESULTADOS E PROJEÇÕES

Sabemos que fatores como o nível das taxas de ju¬ros internas, a carga tributária incidente sobre a produção e a (atual) taxa de câmbio do Plano Real não permitem que as empresas nacionais encontrem ambiente macroe¬conômico adequado às suas expansões. Contudo, sabe-se da experiência comprovada em outros países (Europa e EUA – RELATÓRIO McKINSEY, 1998) que as empresas po¬dem obter ganhos de produtividade na ordem de 20 a 25%, ajustando suas organizações internas, em termos microeconômícos. Esses reajustes, dirigidos às novas téc¬nicas e métodos gerenciais, permitem uma maior compe¬titividade que pode ser vital para a empresa, de acordo com HAMMER (1996). Obviamente, a longo prazo, o su¬cesso empresarial nacional na retomada do crescimento e na inserção do mercado global, estará condicionado às medidas macroeconômicas, mas com foco na questão da competitividade. Em outras palavras, o governo pode pro¬piciar uma condição econômica nunca vista, mas as em¬presas que não tiverem capacitação para a concorrência, irão para o buraco.
Quando a instituição obtém resultado positivo na utilização de um novo método, técnica ou processo, éimperativo a consolidação desse conhecimento pela roti¬na e/ou norma, buscando-se, em seguida, uma melhoria contínua dos fatores. Criam-se condições certas, o clima certo, para o crescimento e a oportunidade. Essa é a for¬ma de planejar, também, as transformações de disciplinas do Curso “GTQ”, e e o que se irradia aos participantes para que possam encontrar meios de crescer e criar vanta¬gens, em vez de apenas eliminarem desvantagens.
Em cerca de quatorze turmas, com mais de 450 profissionais participantes, ao longo desses anos, já foi possível quantificar, através de pesquisa junto à clientela do curso, as seguintes estatísticas, em um prazo de 10 meses de retorno das aplicações:
a)    27 trabalhos na área industrial com ganhos diretos obtidos pelas empresas na ordem de 295 mi-lhões de dólares;
b)    28 trabalhos na área de serviços (inclui comércio) com ganhos diretos obtidos pelas instituições na ordem de 42 milhões de dólares e com resultados secundários de grande relevância pública;
c)    12 trabalhos na área educacional especfficamen¬te, com resultados importantes na redução da evasão escolar~ reprovações, aumento na qualidade do material de ensino, atualização curricular e até mudança de chefias;
d)    3 trabalhos na área financeira com ganhos diretos obtidos pelas empresas na ordem de 15 milhões de dólares.
Desses 70 “cases” apresentados, aprovados e em
orientação, cerca de 60% são provenientes de instituições privadas, 30% de instituições públicas e 10% de mistas. Do total de instituições que são empresas com fins lucrativos, 55% são de médias empresas, 40% de pequenas empresas e 5% são de grandes empresas.
Considera-se aqui a característica do faturamento  mensal, isto é: até 100 mil reais é pequena empresa, de 100 a 500 mil reais, média empresa, e acima disso, grande empresa. .Além disso, observa-se que apenas 9% dessas orga¬nizações possuem um plano de “Gestão da Qualidade” im¬plantado, 71% preocupam-se com a adoção de planos similares, e 20% sabem o que é, mas têm outras (?) prioridades.
Os participantes do curso são provenientes da área de ciências exatas (40%), sociais e humanas (35%), jurídica (20%), médica e outras (5%), o que sugere um esforço didático na abordagem de tópicos especfficos como estatística, computação e processos – devido a heterogeneidade nas formações curriculares – buscando-se maior intera¬tividade em trabalhos de grupo e complementariedade de material bibliográfico (indicações).
Por outro lado, o corpo docente vem tendo uma avaliação média de 92% grau ótimo, de acordo com análise distinta de cada disciplina, sendo a coordenação ágil no acompanhamento e correções pedagógicas que apre¬sentam insatisfação por parte da turma (durante e após a
realização da mesma). O entrave maior, no entanto, persistente na dinâmica do curso, ainda pautada na reciclagem e aperfeiçoamento dos proprios professores que precisam do “top” da contemporaneidade em treinamento
de ferramentas (softwares, métodos e técnicas como 6 Sigma, Projeto de Experimentos, Inteligência Emocional, sis¬temas de informaçôes,redes, etc).

Atualmente, o curso está restrito ao atendimento geoeconômico da região da Grande Belo Horizonte – já que atendeu em anos anteriores outras cidades e estados – totalmente autofinancíado e gerando receita significativa à fundação mantenedora, bem como em projetos complementares (consultoria, ensaios, etc.).

4 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. AKAO, Y Introdução ao desdobramento da quali¬dade. Belo Horizonte: QFCO, 1996. l78p.
  2. BAKOS, J. Y, BRYNJOLFSSON, Erik. “Aggregation and disaggregatíon of information goods: iniplicati. ons for bundling, sire licensing, and micropayment systems”. Cambridge: MII, 1998. (Mimeogr.)
  3. CAMILO, Ronaldo D. et ai. Projeto de Aplicação Conceitual do GTQ. Belo Horizonte: CEFET-MG, 1992. 23p. (Mimeogr.).
  4. CHAMPY, James, HAMMER, Michael. Reengineering the corporation: a manifest for business revolution.    New York: Harper, 1993. 98p.
  5. CHENG, L. C. et ai. QFD: Planejamento da Qualida¬de. Belo Horizonte: F.C.O., 1995. 232p.
  6. DELLARE’ITI, O. As sete ferramentas do planeja¬mento da qualidade. Belo Horizonte: F.C.O., 1996. 148p.
  7. GIBSON, Rowan et ai. Repensando o futuro. São Paulo: Makron Books, 1998. 226p.
  8. HAMMER, Michael. Beyond reengineering: how the reengineering revolution is shaping our world and lives. New York: Harper CoUins, 1996. 2l9p.
  9. HAMMER, Michael, STANTON, Steven A. lhe Reen¬gineering Revolution: a handbook. New York:
  10. Harper Collins, 1995. l83p.
  11. KUME, H. Métodos estatísticos para melhoria da qualidade. São Paulo: Gente, 1993. l8lp.
  12. OHFUJI, T. Método de desdobramento da quali¬dade. Belo Horizonte: F.C.O., 1997. 2lOp.
  13. OLiVEIRA, Marco Antônio et ai. Qualidade: mitos e realidades da qualidade no Brasil. São Paulo: No-bel, 1994. l43p.
  14. CAMPOS, Vicente Falconi. TQC: Gerenciamento da rotina do trabalho do dia-a-dia. Belo Horizonte: F.C.O.:    UFMG, 1994. 273p.

Márcio Bambirra Santos
mb@mbambirra.com.br
Professor

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