Remando contra a maré
A obstinação é a ovelha negra da família da persistência. Para a primeira, vincula-se o cabeça-dura, um teimoso, a pessoa irredutível. “Dar murro em ponta de faca”; “tirar leite de pedra” ou “o pior cego é aquele que não quer ver”, são máximas populares que ilustram os obstinados. Já a segunda palavra é empregada para ressaltar as qualidades de quem acredita, sonha e realiza. “Quem viver verá”; “não desista, insista”, também se ajustam a conveniência do povo persistente. Mal sabem que o Aurélio, o Houaiss e o Michaelis colocam tais palavras como sinônimas. Por isso “remar contra a maré… o importante é despertar”, como na letra da música de Bruno e Marrone, pode ser tanto para uma palavra como para outra, dependendo da intensidade da resistência, sendo a persistência mais inteligente. Vimos acontecer tal resistência em diversas áreas, mas a pública é pródiga, pois temos o interesse pessoal de ver, quase sempre, o interesse social em jogo com regras transparentes e bem definidas. Na velocidade e precisão das informações no mundo moderno, foram relatados nas últimas semanas pelo EM, exemplos de ‘elevada resistência’ na gestão pública, sobretudo na área educacional e no Legislativo. A caixa preta das Fundações junto as Universidades, ou o plano de contas ‘confidencial’ da Câmara dos Vereadores de BH, Assembléia do estado e Congresso Nacional, ilustram bem um tipo de poder restrito e oculto que coloca a sociedade cada vez mais descrente nessas instituições. Demonstram ainda, como a nossa educação pública e o Legislativo ainda precisa evoluir no quesito gestão, pois queremos entender se a resistência dos gestores levará a persistência ou a obstinação.
No caso das fundações, há a tentativa de se conhecer a “caixa-preta” da FUNDEP ligada a UFMG. É preciso saber se temos, ou não, mais uma equipe gestora como a de Timothy Mulholland (ex-reitor da UnB), no campus da Pampulha. Pode até ser que não se compre cestas de lixo de R$ 980,00, mas por que será que o magnífico (quem inventou isso?) reitor afirma que uma auditoria pode comprometer a autonomia da universidade? A atuação do TCU (Tribunal de Contas da União), ou da Promotoria das Fundações (órgão estadual), com a sua natureza de investigação e fiscalização, não têm a pretensão de submeter o poder executivo (UFMG) a outro, pois ambas as instituições são independentes e não pertencem ao poder judiciário, como muitos pensam. Ademais, uma injeção de transparência nunca fez mal a qualquer administração pública, e a FUNDEP pode ser apenas a ponta do iceberg de outras tantas fundações ou diretorias ‘obstinadas e invioláveis’, como as que cuidam dos pagamentos dos fornecedores e serviços do Legislativo brasileiro.
A truculência administrativa na deformação das informações não se prende apenas nos caixas, não. Há também uma concentração burocrática e autocracia velada na figura dos diretores e responsáveis das instituições públicas. Como no caso da remodelação da gestão proposta pelo MEC junto aos CEFETs, escolas técnicas e agrotécnicas, com a criação dos IFETs, que são os Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia. Estes, por sua vez, irão ser compostos por diversas escolas federais de Minas Gerais, em uma estrutura mais dinâmica e integrada das respectivas comunidades com a política de educação nacional. Existe, no entanto, uma pergunta no ar: qual o destino do atual CEFET-MG? Além de uma estrutura complexa em Belo Horizonte, ele se compõe de diversos campi, como Araxá, Leopoldina, Divinópolis, dentre outros no interior. A resposta se aproxima de uma crise de identidade, advinda de uma centralização nas decisões. O CEFET-MG, ou parte dele representada pela diretoria e alhures, quer ser (diferente do pode ser) uma Universidade Tecnológica com cursos convencionais de bacharelado, contra o planejamento do próprio MEC, que busca atender a demanda exponencial pela formação de profissionais de tecnologia, nível médio e superior.
E nessa luta de poder entre o rochedo e o mar, sobra uma indefinição para toda a comunidade, que não é consultada ou integrada em um futuro incerto: professores e funcionários que não sabem qual quadro funcional irão pertencer; alunos que não sabem por onde irão se formar e reconhecer seus diplomas; pais que não sabem qual o modelo educacional que seus filhos praticam; autoridades que não sabem qual orçamento planejar e executar. Enfim, conseguiram uma escola que não está lá nem cá, muito antes pelo contrário.
Quando a persistência do líder passa a ser compulsiva, dá lugar a obstinação do chefe que quer justificar os meios com os fins. Nessa ilusão do comportamento humano, há os exemplos de empresas que sob uma liderança autocrática, quebram na tentativa de obterem lucros astronômicos: Emron, Worldcom, Banco Marka, Santos ou Lehman Brothers, dentre tantos outros. A crise continua sendo de caráter…
Márcio Bambirra Santos
mb@mbambirra.com.br
Professor