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Cérbero do Brasil

Não, na realidade o título não tem erro de impressão, e não é mais uma pronúncia indevida de “ortoridade” tão conhecida, e nem tampouco é um nome de algum conterrâneo. Trata-se do cão mais famoso da mitologia grega, terrível e com três cabeças, guardião da porta do inferno, cuja principal missão era não deixar “ninguém” sair de lá. Só foi conhecido devido ao 12º trabalho de Hércules, imposto pelo rei Euristeu. Senão, até hoje estaria amargando o anonimato no mundo cão. Da mesma forma, presenciamos o êxodo em nosso país, principalmente de jovens, por não terem maiores perspectivas de trabalho e de vida por aqui.

A evasão de cérebros (a grafia continua correta) é relacionada à escassez de recursos para a Ciência e Tecnologia (C&T). Esta pode ser dimensionada em 1% do Produto Interno Bruto (cerca de R$ 1,3 bilhão) para financiar projetos na área. Tal percentual, se comparado à média de 2,5% dos países ricos, que já estão em patamar muito superior ao brasileiro, demonstram a necessidade de um redimensionamento dos investimentos, sob risco do Brasil, a exemplo de seu crescimento haitiano em 2005,  continuar sendo um inferno para muitos. Infelizmente, já em 2013, o Brasil ficou em 53º lugar no ranking do Fórum Econômico Mundial que mede a capacidade dos países em usar a tecnologia da informação (TI’s) para incentivar a competitividade. É mais lenha nessa fogueira infernal.

Somente na cabeça de alguns poucos politicos, tal preocupação é uma chama no obscuro legislativo. E as razões se bifurcam em cultural e ideológica. Na primeira, a visão do curto prazo, do fisiologismo e do oportunismo que buscam acintosamente o poder. Temos presenciado as coligações partidárias visando as urnas neste ano, que são exemplo da infinita elasticidade da ética pública, ou seja, ela não existe. A segunda razão é a  ideologia da elite dominante, que busca o ocultamento de seu projeto sócio-econômico através de escaramuças que se arrastam há décadas, sempre com vantagens dadivosas aos parceiros.

Os meus sonhos foram todos vendidos, tão barato que eu nem acredito…”,  já adivinhava a música “Ideologia” de Cazuza/Frejat, no favorecimento do capital financeiro em detrimento do produtivo, chegando ao ápice neste governo. Mas o principal ponto nevrálgico continua sendo a Educação, pois ela possui em qualquer sociedade mundial, uma linha comum de planos, que cabem certas definições e prioridades, e aqui no Brasil a confusão é geral. Falta um planejamento integrado nacional, com uma visão sistêmica dos planos superpostos. O patamar mais elevado é investir em C&T, em projetos estratégicos e  numa remuneração justa aos cientistas. Mas antes disso,  é preciso formá-los adequadamente numa universidade de graduação e pós-graduação de qualidade, que ocupe um nivel de interface com o plano exposto anteriormente e o seguinte. Este é o pilar dos pilares: o investimento no ensino básico (fundamental e médio, como fazem a India, China, Argentina, etc), como forma de resgatar a cidadania de dois terços dos jovens que não completam o 2º grau. Tem que ser conjugado à educação profissional, que possibilite também o trabalhador retornar ao conhecimento formal que o ajudará a ter melhores condições de vida. As opções são muitas, como os cursos de tecnólogos, mas o purismo da elite nacional é perverso: dificultar ao máximo a oferta desses cursos no ensino público e gratuíto que estejam sintonizados na realidade social. Quem os quiser, procure a escola particular no maior negoção dos últimos anos: FIES – Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior.

O governo não cumpre com a sua obrigação, o empresário não perde a grana do aluno, e este irá ressarcir o estado posteriormente. É a força dos agentes públicos que expulsa o trabalhador da escola, bem como os cidadãos de classes menos favorecidas, em detrimento dos poucos que tiveram um segundo grau competitivo para usufruírem das benesses dos gestores governamentais.  A elite uníssona agradece. Cérbero também, pois vai ter muito trabalho no que pode se transformar o nosso país.

Márcio Bambirra Santos
mb@mbambirra.com.br
Professor

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